UFRPE realiza pesquisa sobre relações de trabalho
e desvalorização no nível operacional da hotelaria
23 de outubro de 2012
Em 2004, pesquisadoras do Departamento de Ciências Domésticas (DCD) da UFRPE realizaram um estudo em 8 hotéis da cidade e da Região Metropolitana do Recife, visando avaliar o perfil dos (as) trabalhadores (as) de nível operacional caracterizados como linha de frente da hotelaria e a percepção destes em relação ao trabalho que desenvolviam. Cento e dez trabalhadores (as) de dezesseis categorias profissionais constituíram o universo da amostra, entre eles (as) telefonistas, recepcionistas, porteiros, mensageiros, camareiras, serventes, cozinheiros, auxiliares de cozinha, garçons, commins, cambuzeiros, barman, guarde manger, stewart, auxiliares de lavanderia, almoxarifes. O estudo integrou o Programa Institucional de Iniciação Científica, do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq).
Segundo Joseana Saraiva e Laurileide Silva, professoras do DCD/UFRPE, os resultados à época da referida pesquisa evidenciaram que a maioria dos (as) entrevistados (as) possuía baixo nível de escolaridade, escassa condição socioeconômica e precária qualificação profissional. Além disso, a maioria não estava satisfeita com os baixos salários auferidos e com a desvalorização generalizada do tipo de trabalho que realizavam. Os dados revelaram ainda que 74% dos (as) entrevistados (as) não tinham pretensão de ascender profissionalmente no mesmo nível, refletindo a insatisfação desses (as) profissionais com a função exercida, sobretudo, com a desvalorização social, financeira, falta de reconhecimento e prestígio, acometendo-os (as) de sentimentos de insatisfação, desânimo, impotência, baixa autoestima e falta de perspectiva de melhoria de sua condição e qualidade de vida.

Tendo em vista contribuir para o aprofundamento teórico e empírico do problema posto no campo das ciências sociais, ao mesmo tempo estabelecer pontes mais seguras entre outros campos do saber, criando um diálogo mais constante e aberto entre os diversos segmentos que compõem a cadeia turística local, sobretudo, o segmento hoteleiro, no sentido de intervir na realidade estudada para transformá-la,em 2011, a pesquisadora Profª Dra. Joseana Saraiva e Rynelands Silva, estudante do Curso de Economia Doméstica decidiram realizar uma segunda pesquisa visando avaliar a percepção dos (as) gerentes dos setores operacionais e da administração geral de hotéis da cidade e da Região Metropolitana do Recife-PE acerca das questões evidenciadas na primeira pesquisa. Mais especificamente, o estudo objetivou apreender a percepção que têm os (as) gestores (as) acerca do caráter precário, do ponto de vista geral do trabalho, das relações de trabalho, da qualificação e da desvalorização do pessoal de nível operacional caracterizado como linha de frente (Front Office) dessas empresas de hospedagem.
Partiu-se do pressuposto que são os gerentes operacionais e da administração geral dos hotéis que planejam, coordenam, tomam decisões, delegam atribuições e responsabilidades, analisam problemas, gerenciam pessoas, recursos e o processo de produção de bens (produtos) e a prestação de serviços na empresa hoteleira. Os resultados mostram que a concepção da maioria dos (as) administradores (as) e dos (as) gerentes operacionais sobre trabalho é aquela concebida exclusivamente como uma atividade remunerada, ou, como uma forma de obter recompensas salariais, inspirada no modelo Taylorista. Segundo essa concepção o (a) trabalhador (a)procura o trabalho não porque gosta de trabalhar, mas como meio único de ganhar a vida por meio da remuneração que o trabalho lhe proporciona, o (a) trabalhador (a) é percebido como uma máquina.
A análise dos resultados empíricos sobre o que são relações de trabalho, ou de produção, revela que 25% dos (as) entrevistados (as) não sabe o que significa, e os demais confundem relações de produção ou relações de trabalho com relações interpessoais ou humanas, “aquelas que se estabelecem no trabalho com os colegas.O significado atribuído pela maioria dos (as) entrevistados (as) ao pessoal de linha frente quando indagados acerca da importância desses (as) profissionais para hotelaria, revela que a maioria reconhece que “são os mais a importantes para hotelaria” porque estão na “frente dos serviços da empresa”, ou, “elevam o nome da empresa”, ou ainda, “são responsáveis pela marca da empresa”.
Quando indagados (as) acerca do porque da desvalorização desses (as) profissionais e do seu trabalho, a maioria atribuiu à baixa qualificação e a falta de escolarização. Contrariando essa percepção, segundo estudo realizado por Silva (2005), a força de trabalho empregada no nível operacional na hotelaria analfabeta caiu para 0,55%, com ensino fundamental restringiu para 4%, por conseguinte a elevação para o ensino médio e desse para o superior se elevou consideralvemente, contudo, os salários desses (as) profissionais continuam baixos.
É expressivo registrar ainda a percepção dos (as) entrevistados (as) que atribuem a desvalorização desses (as) profissionais ao trabalho que desenvolvem, para 12,5% “é um trabalho que exige pouca qualificação, igual ao trabalho das empregadas domésticas.” Apenas 5 entrevistados (as) afirmam que o “problema é do mercado, dos empregadores que não valorizam esses profissionais”, demonstrando de certa forma ter consciência acerca do conflito de interesse que está na base das relações capital – trabalho.
Esse contexto ajuíza a precarização das relações de trabalho, por conseguinte a desvalorização social e econômica dos (as) trabalhadores (as) de nível operacional caracterizado como linha de frente (Front Office) das empresas de hospedagem. As concepções predominantes sobre trabalho (incluindo a percepção sobre o trabalho doméstico) e relações de trabalho refletem o modelo atual de organização do trabalho nessas empresas. Um modelo que não tem como propósito melhorar as condições de trabalho e de vida dos (as) seus (suas) trabalhadores (as) e sim, aprimorar a utilização da força de trabalho de forma a adequá-la as características atuais do capitalismo globalizado.
Entende-se nesse estudo, a partir das informações e da análise dos dados que não há por parte dos (as) gestores (as) do seguimento hoteleiro uma compreensão acerca dos fundamentos que firmam o pensamento social sobre o trabalho (incluindo o trabalho doméstico) e as relações de trabalho. É possível afirmar que existe uma lacuna enorme na formação dos (as) administradores (as) acerca de uma compreensão teórica sobre o significado de conceitos fundamentais da economia política essenciais para compreensão das relações de trabalho, sobretudo, dos mecanismos de exploração desenvolvidos pelo capital. Talvez isso possa explicar o porquê da precarização das relações de trabalho no nível operacional no setor hoteleiro, particularmente. Entende-se que compreender a forma como a sociedade capitalista se organiza, ou, de como as forças produtivas se organizam e se desenvolvem dentro do modo de produção capitalista é essencial para apreender exatamente como acontece à exploração e a submissão do (a) trabalhador (a) no processo de produção de bens (produtos) e na prestação de serviços.
Acredita-se que algo em torno de uma formação abordando sobre a compreensão das contradições básicas da sociedade capitalista e das possibilidades de superação dessas contradições contribuiria para uma ampla transformação econômica e social das relações de trabalho nessas empresas, por conseguinte a valorização social e financeira dos profissionais de nível operacional e do trabalho realizado por estes (as), considerando, sobremodo, as contradições postas na base operacional. Essa abordagem não pode permanecer ignorada como se tem verificado neste estudo, faz se mister a sua socialização junto ao quadro de administradores (as) dos hotéis onde se realizou a pesquisa. A compreensão dos (as) administradores (as), de uma forma geral, acerca desse processo torna-se fundamental no sentido de contribuir para que as relações de produção não obstaculizem o desenvolvimento das forças produtivas, se isso ocorre, criam-se condições para uma revolução social.
Fonte: UFRPE, 2012.